quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Bacurau: o sertão da resistência

Antes tarde do que nunca: enfim, Bacurau! Se for ver, vá na paz, mas faço uma advertência por ora, esta postagem contém spoilers. Vamos lá...
Lá pela primeira meia hora de filme, há uma cena que mexeu com minhas lembranças fellinianas. Uma dupla de motoqueiros, devidamente "fantasiados" de praticantes de esportes radicais, desafia a paisagem dura e taciturna do sertão de Bacurau, trazendo para a tela um contraste tão surreal e risível quanto a corrida de carros que, no "Amacord", cruza a pacata cidade das memórias de Fellini. Pois é naquele ponto, na contraposição que se estabelece entre a paisagem árida e os "aventureiros" coloridos e descolados, que duas sociedades se cruzam e se atravessam.
Não necessariamente o moderno e o arcaico, ou o provinciano e o cosmopolita. Essas fronteiras, precárias por demais, não servem ao jogo estabelecido por Kleber Mendonça Filho - Bacurau faz questão de escapar a esse esquematismo. Pelo contrário, ele suspende o tempo (o filme se passa num futuro indeterminado) e torna cinzenta essas margens, colocando em contato duas formas absolutamente incompatíveis de sociabilidade que se contrapõem não no plano cronológico, mas num plano ético e político.