segunda-feira, 20 de abril de 2015

Manifestar é preciso, mas não é exato

Manifestantes em ação no último dia 12: nem toda
 opinião está imune aos devaneios da consciência ingênua

Por Américo Souza

Em 1984 ocorreram, nos meses de março e abril, diversas manifestações em favor da eleição direta para presidente da República. Passados 31 anos, nos deparamos com novas manifestações, desta vez contra a atual presidente, eleita pelo voto direto.
Vários expressivos pensadores assumem a defesa da livre manifestação de ideias, independentemente dos temas que abordem. Noam Chomsky, linguista e filósofo estadunidense, conhecido por suas posições de esquerda, enfrenta com galhardia posições conservadoras em seu país e afirma que todos devem ter garantido o direito de se expressar. O mesmo dizia Paulo Freire, agente importante das “Diretas Já”, cujas ideias estranhamente parecem incomodar os manifestantes de hoje.
Em tempos assim, a grande questão que fica é relativa aos fundamentos do nosso pensar. Se por um lado a livre manifestação de ideais parece algo dado, por outro –indicam os teóricos da Escola de Frankfurt – importa pesar a influência da indústria cultural na determinação dos modos de perceber a realidade.
Nem toda opinião está imune aos devaneios da consciência ingênua. E convenhamos, atualmente, não é fácil posicionar-se de maneira totalmente livre e consciente. Uma professora experiente, ensinou-me que “quando o passarinho está mudando de pena, não canta”. Ou seja, devemos evitar emitir opiniões apressadas, para evitar o risco de graves enganos de interpretação. Há momentos para tudo, inclusive para calar.
Nem todos que se manifestam “livremente” o fazem exatamente com liberdade, já que a liberdade é o pleno domínio sobre nossas ideias e ações. Existem poucos, como foi Freire e como é Chomsky, cujo pensamento ingovernável estará sempre exposto, sem temores, diante dos outros pensamentos, mediocremente teleguiados por quem pauta de fato as manchetes que tão vorazmente consumimos. O exemplo que nos fica desses dois pensadores é fazer um esforço para que a mediocridade não nos consuma e, assim, possamos agir com e pela liberdade.

Américo Souza é historiador e professor da Unilab. Este artigo foi publicado originalmente na seção de Opinião do jornal O POVO. 

sábado, 18 de abril de 2015

Ednardo 70 anos - o canto da encruzilhada

Ednardo: Fortaleza como mote poético por excelência
"Eu venho das dunas brancas/ Onde eu queria ficar/ Deitando os olhos cansados/ Por onde a vida alcançar/ Meu céu é pleno de paz/ Sem chaminés ou fumaça/ No peito enganos mil/ Na Terra é pleno abril" - "Terral" (Ednardo)

Nem a vista das "dunas brancas" nem o "céu pleno de paz" impediram Ednardo de arribar de sua aldeia para tentar o "Sul, a sorte e a estrada". Os tempos eram de dificuldade política, mas também de muita esperança para aquela leva de artistas que partiam de diferentes pontos do Nordeste rumo ao "videotapes" e "revistas supercoloridas". Muitos acabaram sobrando na curva do destino. Outros tantos queriam apenas ver a "menina meio distraída" repetindo a voz dos cantores consagrados - como diziam os versos de "Carneiro", parceria de Ednardo com Augusto Pontes. Poucos conseguiram fazer história.
Na bagagem para São Paulo, onde desembarcou junto com o "Pessoal do Ceará" no início da década de 1970, Ednardo levou as memórias de uma Fortaleza ainda ingênua, que apenas começava a experimentar o "som e a velocidade" de novos tempos naquela virada dos 60 para os 70. Mas em vez de se perder no caldeirão de signos da metrópole e nas tretas do mercado fonográfico, a saudade da terra natal cravou marca na alma e virou um mote poético ao qual o compositor recorrentemente se voltou ao longo de mais de trinta anos de carreira.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

STF emplaca terceirização à moda FHC

Pleno do STF: terceirização à moda da casa

Por Tarso Cabral Violin*

Não passou nas TVs e rádios, pouco realçado nos jornais e internet. Mas nessa quinta-feira (16) o Supremo Tribunal Federal decidiu o futuro do Direito Administrativo e da Administração Pública brasileira.
O STF decidiu que a Administração Pública pode repassar a gestão de escolas públicas, universidades estatais, hospitais, unidades de saúde, museus, entre outras autarquias, fundações e empresas estatais que prestam serviços públicos sociais para entidades privadas sem fins lucrativos como associações e fundações privadas qualificadas como organizações sociais.
Foi na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.923, proposta pelo PT e pelo PDT contra a Lei 9.637/98, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O STF decidiu pela constitucionalidade de quase toda a lei.

Passeio Público: Secultfor anula licitação

O café e o Passeio: uma "tenebrosa" transação?
Em documento assinado no último dia 8 de abril, o secretário de Cultura de Fortaleza, Magela Lima, anulou o resultado da licitação para ocupação do restaurante do Passeio Público, vencida pela OKA Comércio e Serviços LTDA em setembro do ano passado. Com a anulação, a empresa Café Passeio, que administra o local desde 2010 e que havia sido excluída da concorrência, volta concretamente ao páreo que vai decidir os novos administradores do restaurante. A decisão é o mais novo capítulo numa já longa novela, cheia de detalhes mal explicados - para dizer o mínimo.
A empresa Café Passeio - a mesma que, há quatro anos, possui contrato com a Prefeitura para administrar o restaurante - havia sido excluída da concorrência por, nos termos da Comissão de Licitação, não ter conseguido comprovar experiência no ramo alimentício. Ora, mas se não possuía experiência, por que, então, prestou e continuava prestando um serviço para a PMF justamente na área alimentícia? Já a OKA, que não tinha experiência efetivamente comprovada nessa atividade, é acusada de ter fraudado sua certificação técnica para poder concorrer à licitação. Ainda assim, foi declarada vencedora.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Mil palavras


Beatles, em show na França, junho de 1965.

A direita precisa de um "Bolsa Clichê"

Beneficiárias do programa: resta aos críticos conservadores
 do programa apenas o ódio de classe como argumento
(Foto: Divulgação/MDS)
Na mentalidade conservadora brasileira, ainda tão apegada à lógica da Casa e Grande e Senzala quando o assunto é discutir justiça social e (re)distribuição de riquezas, o Bolsa Família é o principal estatuto do "mal petista" que se abateu sobre o País. E, entre os inúmeros clichês e preconceitos que fundamentam a argumentação contra o programa, estava o do que o povo nordestino pobre, principal beneficiado pelas ações de transferência de renda previstas no programa, iria se tornar uma massa de vagabundos, preguiçosos e fornicadores, com uma insustentável explosão demográfica a legitimar o recebimento da tal "bolsa-miséria".
A realidade tratou de desconstruir mais esse mito - a exemplo de tantos outros que vêm sendo desconstruídos, como os que cercam as cotas raciais, etc. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de responsabilidade do IBGE, entre 2003 e 2013, o número de filhos de até 14 anos caiu 10,7% no Brasil. Entre as famílias mais pobres, estrato social que inclui os quase 15 milhões de beneficiários do Bolsa Família, a queda foi de 15,7%. Já no Nordeste, a redução foi de quase 26,5% - maior redução entre todos os estratos de renda e região.
Com esses números, o preconceito classista e patrimonialista que move as estruturas mais profundas da mentalidade conservadora no Brasil não tem mais em que se amparar em relação ao Bolsa Família, senão em seu próprio ódio de classe e em sua atávica paranoia anti-petista. Outras frentes de resistência ao programa já vinham sendo desconstruídas ao longo dos últimos anos.
O desempenho escolar dos alunos beneficiados pelo programa é melhor do que aqueles que não o são. O orçamento global do programa é uma ninharia comparada às somas imorais destinadas à minoria rentista que se farta - sem um controle mais efetivo por parte do estado - nos papéis da dívida pública. Vale lembrar também que sete em cada dez beneficiários adultos do programa estão no mercado de trabalho – procurando emprego ou exercendo atividades precárias, com rendimentos insuficientes para manter suas famílias. Por fim, a ONU já saudou o programa como um exitoso exemplo de política "ganha-ganha" (ou seja, aquela onde toda sociedade se beneficia), com uma importante para o aumento do índice de desenvolvimento humano no País.
Em tempo: o valor médio do benefício é hoje de R$ 167 mensais. Como se sabe, uma "fortuna".

quarta-feira, 8 de abril de 2015

À luz de velas



Pornografia
pode

bem ser
o
recalque,

às vezes
desvio,

de uma
cumplicidade
que não
veio.

No jantar à
luz
de
velas,

aniversário
de 20 anos

de casados,

por isso, essa
falta de jeito.

Ali, só
os dois.

E esse
garçom que
nunca

chega.

E esse guardanapo
de linho
à minha
frente,

que nunca
terminamos

de dobrar.

A pornografia,
essa tristeza
feito contradança
que se dança
sozinho:

mesmo
a dois.

À luz de
velas.

Bem pode
ser.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

A cultura como reparação

Paulo Linhares em foto de Rodrigo Carvalho, do O POVO:
a cultura como impotência civilizatória? 
Em entrevista ao caderno Vida & Arte, na edição de hoje do O POVO, o sociólogo Paulo Linhares,  presidente do Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC) – motor criativo e gerencial do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura - afirmou que “política de cultura não é uma política de reparação social”. A frase se deu em meio a uma (boa) reportagem feita pela jornalista Raphaelle Batista, em que Paulo rebate algumas tantas críticas ao Porto Iracema das Artes, núcleo de formação do Dragão, e anuncia o porvir da instituição, a partir de outras tantas parcerias.
“Reparação social, quem quiser fazer, vá fazer na área social. Eu faço política de cultura, não tenho que reparar nada”, disparou. “Acho absurdo cobrar das políticas culturais reparações sociais. Sou contra esses contratos que dizem assim: ‘em contrapartida a um espetáculo você faz não sei o que, não sei o que social’. Pra que isso? A gente não está aqui para fazer reparação social. Se a gente fizer cultura bem feita, a gente está fazendo mudança social muito mais veloz, com muito mais competência”.
Provocador inteligente e de inegável competência midiática, Paulo certamente se fiou em sua verve publicitária para tentar defender e legitimar sua cria. Um projeto que pode ser considerado tão mais audacioso quanto mais compreendermos quão miserável ainda é o Ceará, estado que já há uns bons 30 anos convive com a sombra do próprio Paulo nos bastidores ou nos holofotes das políticas públicas de cultura.

A arte de escrever para idiotas


Por Marcia Tiburi e Rubens Casara*

Em nossa cultura intelectual e jornalística surge uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e subautores que sugerem a criação de um nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de pensar na forma assumida atualmente pela “voz da razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa. Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para idiotas.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A paixão de casa não faz milagre

Torcida do Ceará no PV: o ponto fora
da curva causa prejuízos à banca
Parafraseando Caetano, a paixão é senhora; desde que o futebol é futebol é assim. Tentar deslegitimar a paixão de um torcedor cearense por um clube de fora do Estado seria algo xenófobo e obtuso, que não compreenderia o fundamento mesmo do esporte. Nosso problema, portanto, não são os daqui que torcem por times de fora - em geral do Rio de Janeiro que, historicamente, se consolidou como o polo mais carismático do futebol brasileiro (em que pese a presença crescente dos times paulistas no coração dos torcedores de gerações mais novas).

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Max Ernst (1871-1976), aniversariante do dia






A fraude têxtil e o vácuo institucional

Cruzamento da Alberto Nepomuceno com José Avelino,
no Centro de Fortaleza: a feira e o vácuo institucional
Ao longo desta semana, o jornal O POVO tem publicado uma corajosa e minuciosa série de reportagens, assinadas pelo repórter Claudio Ribeiro, sobre as movimentações milionárias (e fraudulentas) de empresas que abastecem o comércio popular de Fortaleza, a exemplo do comércio têxtil da José Avelino, no Centro. Tem tubarão nesse ramo que chega a faturar mais de R$ 1 bilhão (isso mesmo, caro leitor, R$ 1 BI)  por ano com a venda de roupas e tecidos, sonegando somas igualmente imorais. O esquema envolve empresários e contadores, num "negócio" que vai se estendendo por vários quarteirões (e também galpões) da área. 
Entretanto, para além do aspecto financeiro-econômico, o que mais chama atenção nesse caso é a questão da (falta de) fiscalização/controle urbano. O vácuo institucional que cerca a feira da José Avelino constitui uma enorme desmoralização a quem de direito. 

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Ética à Aldeota

O livro-tabu: uma nobiliarquia urbana
de fraudulenta cepa

Há uns 50 anos, no seu insuperável "Aldeota", o grande Jáder de Carvalho já descascava a origem criminosa de grandes fortunas de Fortaleza e do Ceará - baseadas, sobretudo, na pilhagem imobiliária e no contrabando. Sobre o livro, aliás, ainda hoje pesa a insustentável leveza do silêncio de boa parte da imprensa local e dos circuitos literários tupinambás. 
A lembrança de Jáder e do livro deve-se ao fato de que, recentemente, seguidas operações da Polícia Federal e do Ministério Público, por aqui e alhures, têm confirmado seu vaticínio e lançado luzes sobre outras tantas figuras do nosso "high society" de fraudulenta cepa. A mesma elitezinha canastrona que vai às ruas pedir "ética" e clamar pelo "fim da corrupção" - aquela turma que, como bem diz Tom Zé, faz suas orações uma vez ao dia e depois manda a consciência junto com os lençóis para a lavanderia -, vira e mexe, de uns tempos pra cá, vem escorregando em manchetes de jornal ou postagens da blogosfera e aparecendo de "grampo na mão".