domingo, 31 de maio de 2015

A reta



A reta é
a menor distância
entre duas certezas.
Dela, sabe-se,
mornamente,
da falta de desvios,
de ângulos,
de perspectiva.
Uma dieta 
geométrica
que nunca
nos deixa
olhar de lado,
que é
lado
e outro.
Falso compasso
de unidade.
A reta só.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A meritocracia servida de bandeja

O australiano Toby Morris, em sua coluna intitulada “The Pencil Sword” (A espada lápis), publicou recentemente “On a Plate”, uma ótima crônica em quadrinhos sobre desigualdades e privilégios sociais. A tradução foi feita pela turma do Catavento



Um diálogo com Richard Sennett

Ainda falando de Sennett, segue uma uma entrevista concedida ao projeto Fronteiras do Pensamento, em que o sociólogo e historiador norte-americano, professor da London School of Economics, do MIT e da New York University, fala sobre a relação entre música e seu trabalho intelectual, a diferença entre ele e seu colega Manuel Castells, a ineficiência do dinheiro enquanto motivador do trabalho, cooperação e independência, o Estado de bem-estar social, a supervalorização do conhecimento intelectual e a crise no mercado de trabalho, capitalismo social e outras questões que se apresentam no espaço urbano contemporâneo.

A ditadura da intimidade

Richard Sennett: a cidade como instrumento da vida impessoal 

Quando as estatísticas sociais e econômicas começaram a reverberar a emergência de uma nova classe média ao longo dos governos petistas, resultado da superação de parte importante da pobreza e da extrema pobreza no Brasil, que se mostravam crônicas e inexoráveis durante o horror econômico do governo FHC, muitos analistas alertaram para a emergência simultânea de um modelo de cidadania baseado majoritariamente no consumo. Essa cidadania estava fundada não na afirmação e consolidação de direitos, nem numa transformação estrutural mais profunda do País. Baseava-se apenas na inclusão social, pelo consumo, de milhões de brasileiros.
Isso fez com que os "cidadãos-consumidores", para usar a expressão de Canclini, de todas as classes sociais, desenvolvessem uma visão invertida sobre a política. Em vez de nos estimular a pensar e a se sensibilizar com os dramas nacionais em toda a sua complexidade, forçou, pelo contrário, o pensamento sobre os grandes problemas do País a convergir e a se adaptar aos limites de demandas individuais e estreitas da vida cotidiana. À sensibilidade pública, ao sentimento de construção coletiva de um país, o brasileiro vem exercendo uma retribalização atomizada, vem celebrando a lógica privada, que tenta "resolver" os problemas da esfera pública apenas no âmbito dos interesses e dos contratempos particulares.

Herbie Hancock, o camaleão

Essa fase de Herbie Hancock é uma das mais celebradas da sua carreira, embora alguns puristas torçam o nariz para o funk e os rudimentos eletrônicos que começavam a entrar em cena com o fusion. Besteira! Headhunters é um dos melhores discos da história da música. E a banda era fogo. Aqui uma versão explosiva de "Chameleon", que abre com um solo inacreditável de shekere. Vejam e creiam!

terça-feira, 26 de maio de 2015

O debate à beira do abismo

A vidraça e a violência: a palavra perdida volta como bala perdida

O psicanalista e professor da USP Christian Dunker escreveu esta semana, no blog da editora Boitempo, uma brilhante resposta a Rodrigo Constantino, colunista da revista Veja. Sua tréplica é, provavelmente, o texto mais produtivo aos que quiserem compreender a quantas anda e qual a lógica do debate público no Brasil. Em especial, num momento em que a direita e o pensamento conservador tentam rebaixar as pautas e as perspectivas dos debates, numa desonesta inversão de argumentos. E também numa perigosa direção de intolerância e violência.

Lembrei de Nietzsche e de seu alerta segundo o qual, ao se combater "monstros", há que se cuidar, aquele que combate, para não acabar se tornando um "monstro" ele próprio. "Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você", diz o filósofo alemão. Hoje, o que temos no Brasil, é o abismo do ódio, da ignorância e da intolerância a espreitar de muito perto os que se propõem a pensar o País para além de meia dúzia de chavões preconceituosos e frases feitas.  E aí nos vem a fadiga, o fastio. A sensação de que não vale a pena. De que temos de começar tudo do zero para dar conta do ponto sumário em que certos debatedores querem manter o diálogo.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A dor da gente não sai no jornal...

Huck, Angelica e as babás sem nome:
por quem dobram as panelas da Casa Grande? 

De uns tempos pra cá, as panelas da direita boçal andam dobrando em sonorosas cacofonias na Casa Grande brasileira. Não para mudar o País, mas para anular o outro. Para massacrar qualquer afirmação da alteridade, esse miolo da democracia com o qual os "homens de bem" (brancos, héteros, "pagadores" de impostos e "meritocratas") têm uma enorme dificuldade de lidar. Taí o jornal O Globo que não me deixa mentir. Eis uma tremenda aula de Brasil resumida num simples infográfico de jornal.
A lógica editorial que omite os nomes das babás no quadro acima reflete a mentalidade atávica daqueles que não lhes vêem - nunca viram e nunca verão -, como sujeitos de direitos. Para a "elite" brasileira (ou os tragicômicos candidatos a "elite"), as babás são expressão de um mito indistinto chamado "povo". São assim mesmo, apenas silhuetas desfiguradas, vultos sem rosto. Não têm direito a nome, à identidade, à história. Não possuem dignidade. São fantasmas opacos, a quem, se muito, dá-se o direito de apenas contemplar servilmente, da cozinha ou da área de serviço, os patrões em seus "paraísos" artificiais: seus carrões blindados, suas suítes nababescas, seus aviões particulares.
As paneleiras "angelicais" só costumam saber mesmo do país real quando elas (as babás) pedem demissão na sexta-feira e deixam o fim de semana das bacanas à míngua. E aí, haja grito e ranger de dentes. Haja desabafo - e sociologia de varanda gourmet - sobre a ignávia fundante do brasileiro. Acostumadas a viver numa cidade que é feita apenas de uma pálida e previsível sequência de espaços privados - os mesmos espaços estéreis e assépticos que vão procurar em suas viagens ao exterior, pululando de shopping em shopping mundo afora -, as danaides da "luta anti-corrupção", por não saberem conviver com o mais comezinho direito do outro, não sabem conviver com o espaço público. Assim, só conseguem espreitar o país real, quando outros vultos - sem nome, sem rosto, sem história - lhes arrombam o portão de entrada ou lhes espreitam ao sinal vermelho do próximo cruzamento. E aí, de novo, haja grito e ranger de dentes, além de apelos aparvalhados a favor da pena de morte ou da redução da maioridade penal, essa panaceia dos tolos.
Em seus gritos de "basta!" e que tais, as panelas das madames repicam para que a vida - as suas vidas! - possa(m), enfim, seguir seu ritmo "normal", sem sobressaltos. Com "segurança" e "tranquilidade". Para que Huck e Angélica - e seu país excludente e alienado - possam seguir adiante, divulgando a mais nova pasta de dente do mercado. Ou o mais novo condomínio em Miami. Para isso, entretanto, é necessário que as babás estejam sempre por ali, invisíveis e inefáveis. Sem nome, sem rosto, sem direitos.
Como diria Chico, a dor da gente não sai no jornal...

Em tempo: a edição do Globo é a dessa segunda-feira, 25; e as babás se chamam Francisca Mesquita e Marcileia Garcia.

Um terremoto sacode a política espanhola

Ativistas acompanham resultado das eleições em Barcelona:
"anti-sistêmicos" vencem em Barcelona e podem governar Madri 

O panorama político territorial espanhol conhecido até os dias de hoje ficou tremendamente abalado depois dos resultados eleitorais deste domingo. O veredito saído das urnas, com uma participação eleitoral ligeiramente inferior às de 2011, ofereceu resultados totalmente imprevisíveis há um ano atrás, nas vésperas das eleições para o Parlamento Europeu.
A espetacular virada eleitoral em cidades como Madrid e Barcelona, que poderão vir a ser governados por movimentos políticos catalogados de anti-sistêmicos, são uma fiel imagem da Espanha que amanheceu esta segunda-feira, após o terremoto político de domingo. As listas Agora Madrid e Barcelona em Comum, ambas com protaginstas do Podemos e movimentos sociais alternativos, foram a tradução eleitoral do movimento dos indignados do 15-M, nascido na praça madrilenha Puerta del Sol, na primavera de 2011.