terça-feira, 14 de junho de 2016

Se é pecado driblar...



A genialidade de Garrincha consistia no seu anti-drible. Em vez do movimento surpresa, da rota improvável, ele fazia-se herói da previsibilidade. Todos no estádio, a começar por seu marcador, sabiam que aquele cambota arredio, no momento crucial, iria dar o bote decisivo e inapelável: sempre pela direita. Todos estavam cientes que Garrincha, inexorável, iria passar pelo adversário e por quem mais lhe descombinasse o jogo. Sempre pela direita. Nenhuma surpresa no lance, mas nele cabia toda a beleza do mundo.

O camisa 7 imortal do Botafogo era assim. Fazia, com uma pureza diáfana, quase infantil, quase de não saber enganar o próximo, o que o futebol de hoje, entretanto, traz como seu grande vício, seu insuportável embaço. O ludopédio hoje não engana mais ninguém. Vivemos a era do anti-drible programático, da previsibilidade de gestos. Mas tudo como fraude, como a farsa de uma história que se repete.
Nossos treinadores fanfarrões nunca alteram seu roteiro: no máximo, propõem um pas de deux entre volantes, laterais e atacantes para anunciarem uma suposta (velha) novidade ao distinto público.
Pois hoje, eu, que costumo dizer que não gosto mais de futebol, que gosto apenas do meu glorioso Ceará Sporting Club, levei um drible nas minhas ideias (e no meu já empoeirado mal humor) de um tal de Felipe, xará que comanda a meia cancha do alvinegro com a sagrada camisa 10 de Zé Eduardo.

Na jogada que deu origem ao segundo gol, na vitória por 3 a 0 contra o Brasil de Pelotas (alô tricolores, viram aí como é que se faz?), Felipe, ali da intermediária, como sói acontecer nessas enfadonhas rodadas do Brasileirão, poderia ter apenas alçado a bola na área na esperança de que algum atacante aventureiro lhe lançasse mão. Em vez disso, deu uma caneta em si mesmo e partiu endiabrado para a grande área, desdobrando-se em dribles e gingas marcação adentro. Um "estranho" balé que surpreendeu a todos: jogadores, técnicos, torcedores. Os zagueiros coadjuvantes devem ter entendido menos sua ousadia - de rebelar-se contra o mais do mesmo, contra o jogo supostamente já jogado - do que exatamente seu bailado inalcançável.

Por um breve momento, hoje, eu voltei a gostar do futebol, voltei a sentir a potência libertadora e a verdade incontornável de uma arte. E, claro, renovei a paixão alvinegra. Felipe não é Garrincha, óbvio. Mas, por alguns instantes me devolveu a esperança de que há outra estética possível para a burocracia reinante dentro e fora das quatro linhas.

Sigamos. Valeu Vozão! Obrigado, Felipe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário